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Mulheres de Armas

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07
Jun18

Palavras da Luta: Construção|Desconstrução

Mulheres de Armas

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Iniciamos hoje a série Palavras da Luta, um conjunto de textos pessoais, assinados individualmente pelas Mulheres de Armas e por algumas convidadas, onde a autoreflexão mais intima se cruza com propostas politicas que colocamos a debate. A Fiona lança o mote com:

 

Construção|Desconstrução

 

Há um par de anos atrás terminei uma longa preleção sobre como fazer a depilação era ceder à ditadura capitalista do patriarcado com um: 'bom, mas a luta é por que cada mulher possa fazer o que quiser, podes depilar-te à vontade'. Tamanha a minha bondade, que permitia às minhas amigas fazerem o que que queriam com o seu próprio corpo. 
Tenho a certeza que satisfiz a minha consciência libertária de forma semelhante muitas outras vezes: terminando os meus discursos com um 'mas faz o que quiseres' a despachar. Também permiti a algumas amigas quererem muito emagrecer (quão esgotante é a luta contra essa gordofobia tão profundamente mesclada de ideiais de beleza e saúde profundamente enraizados e igualmente normativos) ou terem relações monogâmicas que pelos meus padrões roçavam a obsessão.
De outras vezes, enfrentei, espero que corajosamente, os meus interlocutores, em nome dessa liberdade e autonomia. É como chocar numa muralha de pedra. 'Como assim, podem usar véu? Sabes o que fazem às mulheres nesses países? Isso é machismo internalizado!' 'Achas mesmo que mostrar as mamas é uma maneira aceitável de lutar contra o assédio?'. 
Às vezes era eu a admoestada. Tão feminista e não conseguiste abrir a boca naquela conferência e deixaste que fossem só os homens a falar (duas vezes, só nos dois últimos meses). Tão feminista e és sempre tu a faltar ao trabalho, a levantar-te de manhã pra cuidar das crianças. Tão feminista e prescindiste de oportunidades de carreira pra ficares com os teus filhos (ou, às vezes: tão feminista e vais sair à noite e deixas as crianças em casa; o que só prova que nesta competição não dá para ganhar nunca). Tão feminista e dormes com esquerdomachos e homens casados. 
Podia continuar nisto por horas. E teria facilmente continuado nisto pela vida fora, para sempre presa numa espiral de crítica, autocrítica e contra-critica. 
Por outro lado, se o feminismo é uma ferramenta emancipatória, ele tem de assumir plenamente essa tensão fundacional. Sim, tudo é uma construção social e as construções sociais não brotam no vazio, elas nascem das relações de poder, resultam de alinhamentos históricos entre atores e dos significados hegemónicos que vão sendo atribuídos às coisas. Tudo isto, dos pelos ao véu, tem implicações materiais e simbólicas que levamos em linha de conta, consciente ou inconscientemente. Compreender os significados atribuídos às coisas e os contextos de produção das normas é uma parte essencial do feminismo. No entanto, é demasiado simplista acreditar que emancipação feminima seria substituir linearmente uma prática por outra, trocar a depilação por pelos, o véu pela cabeça descoberta. Nem o feminismo pode ser visto como um conjunto de práticas e símbolos aos quais precisamos de aderir, contando os pontos até atingirmos o status de feminista, nem a desejada autonomia pode ser, nunca, a conformidade a uma nova norma de lógicas invertidas mas em que a estrutura pouco ou nada mexe. 
O que nos resta? Por um lado assumir plenamente o feminismo como uma prática prefigurativa que se desenrola em contexto público e privado, ou seja, uma construção quotidiana, por vezes lenta, de mudanças nas relações de poder e na autonomia corporal, relacional, social, laboral, atravessando diferentes espaços e inscrevendo-se no agora.
Por outro, em simultâneo, viver o feminismo como um movimento que nos permite romper definitivamente com as normas estabelecidas, despindo os objetos e os símbolos dos seus significados originais, apropriando-nos do que nos rodeia, trocando as voltas às normas, inventando novas formas de liberdade. Ou seja, como uma desconstrução de hegemonias no pensamento e na prática. 
Dito de outra forma, não se trata apenas de perceber o contexto em que a depilação surge como uma imposição que é feita às mulheres e rejeitá-la, trata-se de despojar a depilação da sua normatividade patriarcal e transformá-la no que cada uma de nós quiser.
Continuo a fazer a depilação de forma espaçada, às vezes por pressão social, outras por prazer. Continuo a calar-me quando gostava de falar, a ter dúvidas em torno da palavra dever. Os processos de construção e desconstrução são demorados e doem bastante, mesmo quando são coletivos. Mas ouço-me um bocadinho mais e ouço as outras mulheres à minha volta e quero saber o que querem e o que  fazem e porquê, e a escuta e a fala podem servir pra menos arrogância e mais imaginação, menos competição e mais sororidade, menos conformidade e mais apropriação.

 

Fiona

09
Jan18

...

Mulheres de Armas

Na reportagem passada na SIC a 05/01 acerca da primeira mulher a frequentar o curso de especialização de submarinos, a abordagem principal ao tema foi feita através da exploração do prisma do papel da mulher no seio familiar, enquanto mãe e esposa, dando grande relevância à “conciliação da vida pessoal” e ao apoio do marido, enquadrando o tema com imagens da militar a acompanhar o filho na escola ou em casa, na cozinha.
Lamentamos que a comunicação social contribua activamente para a perpetuação dos estigmas associados a papéis de género tão entranhados na sociedade patriarcal, sobretudo quando poderia ter aproveitado a oportunidade, por exemplo, para questionar porque motivo só agora a Marinha Portuguesa abriu vagas para este curso às pessoas de todos os géneros.
Está na hora de exigir que os media deixem de tratar com condescendência paternalista quem questiona os papéis de género! Não calaremos! 

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[Frida]

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